Avançar para o conteúdo principal

Saída limpa

O primeiro-ministro anunciou no passado domingo que Portugal optara pela saída limpa. A boa nova foi acompanhada pelas constantes insinuações de que a responsabilidade de tudo o que aconteceu foi da governação anterior. É claro que fora do discurso ficaram as responsabilidades deste primeiro-ministro no chumbo do PEC IV, mesmo quando existia vontade na Europa de uma solução menos onerosa do que o resgate que se veio a verificar. E quando se verificava situações igualmente periclitantes noutros países europeus. A hipocrisia do discurso de Passos Coelho é incomensurável. O chumbo do PEC IV permitiu ao actual primeiro-ministro matar dois coelhos com uma cajadada só: ganhar eleições e aplicar políticas que estão a transformar a sociedade portuguesa com o pretexto das imposições externas.
De um modo geral, o programa de assistência foi uma benção, caso contrário, como poderiam então aplicar as medidas e subsequentes transformações que todos conhecemos? Empobreceu-se a maioria, beneficiando uma minoria, a casta do costume. Esta foi a política central do Governo, invariavelmente a coberto do programa da assistência.
Passos Coelho agradeceu aos portugueses - os verdadeiros responsáveis pela saída limpa. Engana-se ou quer enganar. Os verdadeiros responsáveis pela saída limpa são os países que dominam a Europa, os mesmos que vão ter também de prestar contas aos seus eleitorados cansados de problemas com os países periféricos.
A saída limpa é uma incógnita. Sabe-se apenas que estaremos sob vigilância durante quase trinta anos. Fora da equação ficou a instabilidade do sector financeiro português e europeu; fora da equação ficou a turbulência que anda de mãos dadas com os mercados e que amiúde dão uma festa juntos. Quanto à redução nas taxas de juro, Passos Coelho também não referiu que essa redução é transversal a todos os países europeus, incluindo - espante-se! - a Grécia.
A saída limpa? Para quem? Limpa para a banca alemã e francesa que se livrou do lixo da periferia; limpa para a banca portuguesa; limpa para a casta que domina o país e que viu os salários baixarem, a precariedade subir, que assiste e aproveita-se da degradação dos serviços públicos; limpa para a casta internacional que aproveitou sobremaneira as privatizações; limpa para os países centrais na Europa que, pelo menos durante uns tempos, não se incomodam com os países periféricos; limpa para os senhores do BPN; limpa para quem beneficia de PPP's, de swaps, submarinos e de outras negociatas.
Os portugueses, esses, continuarão a viver um inaudito retrocesso social, atolados na porcaria, perdão, demagogia.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma